segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

SOU CALVINISTA, PORQUE...

João Calvino

...não há o que duvidar: a doutrina bíblica da eleição é a unica, racional e espiritualmente demonstrada, que se adequa perfeitamente à mensagem central das Sagradas Escrituras. Os seus cinco pontos principais, ensinados pelo grande teólogo francês João Calvino, são lógicos e conclusivos, não deixando a menor dúvida para quem o estuda.

Alguns confundem a mensagem central da doutrina calvinista, criticando-a de elitista e excludente. Todavia, justamente o ponto considerado mais polêmico desta doutrina, que é a Eleição Incondicional, resume, de certa forma, todo o interesse de Deus pelo homem e vice-versa. Os críticos desta verdade bíblica fundamentam-se na errônea interpretação do Livre-Arbítrio, tecida por Arminio, para refutar João Calvino. Dizem eles que, se Deus é amoroso e justo, não permitiria que um servo fiel e leal, servindo há tantos anos em sua Igreja ou comunidade, fosse marginalizado, em favor de outro que por toda a vida, repudiou os valores bíblicos, mas, porque estava "eleito", não deixa de ser salvo.

A respeito desta polêmica, reservo-me para tecer meus comentários mais adiante, jamais antes de apresentar, resumidamente, os cinco pontos principais que norteiam a doutrina calvinista.

1 - DEPRAVAÇÃO TOTAL DO HOMEM: Também chamada de "depravação radical", "corrupção total" e "incapacidade total". Indica que toda criatura humana, em sua condição atual, ou seja, após a queda, é caracterizada pelo pecado, que a corrompe e contamina, incluindo a mente. Por isso, afirma-se que ninguém é capaz de realizar o que é verdadeiramente bom aos olhos de Deus. Em contrapartida, o ser humano é escravo do pecado, por natureza hostil e rebelde para com Deus, espiritualmente cego para a verdade, incapaz de salvar a si mesmo ou até mesmo de se preparar para a salvação. Só a intervenção direta de Deus pode mudar esta situação.

2 - ELEIÇÃO INCONDICIONAL: Eleição significa "escolha". É a escolha feita por Deus desde toda a eternidade, daqueles a quem ele concedeu a graça da salvação. Esta escolha não se baseia no simples mérito, ou na fé das pessoas que ele escolhe, mas se baseia em sua decisão soberana e incondicional, irrevogável e insondável. Isso não significa que a mesma salvação final é incondicional, mas que a condição em que assenta (fé) é concedida também pela graça de Deus, como seu presente para aqueles a quem Ele escolheu incondicionalmente.

3 - EXPIAÇÃO LIMITADA: Também chamada de "redenção particular" ou "redenção definida", significa a doutrina segundo a qual a obra redentora de Cristo foi apenas visando a salvação daqueles que têm sido alvo da graça da salvação. A eficácia salvífica do Cristo redentor, então, é suficiente para todo o homem, mas será eficiente unicamente para a salvação daqueles a quem Deus escolheu desde a fundação do mundo. Os calvinistas não acreditam que a expiação é limitada em seu valor ou poder (se Deus o Pai quisesse, teria salvo todos os seres humanos sem exceção), mas sim que a expiação é limitada na medida em que foi destinada para alguns e não para todos.

4 - GRAÇA IRRESISTÍVEL: Também conhecida como "graça eficaz", esta doutrina ensina que qualquer influência do Espírito Santo de Deus é irresistível, superando toda e qualquer resistência. Quando então, Deus soberanamente visa salvar alguém, o indivíduo não será bem sucedido se tentar resistir.

5 - PERSEVERANÇA DOS SANTOS: Também conhecida como "preservação dos santos" ou "segurança eterna", este quinto ponto sugere que aqueles a quem Deus chamou para a salvação, e depois, à comunhão eterna com ele (" santos ", segundo a Bíblia) não podem cair em desgraça e perder sua salvação. Mesmo que, em suas vidas, o pecado os leve a renunciar à sua profissão de fé, eles (se eles são autênticos eleito), mais cedo ou mais tarde, retornarão à comunhão com Deus. Essa doutrina é baseada na certeza de que a salvação é obra de Deus do começo ao fim, que Deus é fiel às Suas promessas, e que nada nem ninguém pode impedir Seus propósitos soberanos. Este conceito é ligeiramente diferente do conceito usado em algumas igrejas evangélicas, de "uma vez salvos - salvos para sempre", apesar da apostasia, a falta de arrependimento ou a permanência no pecado, desde que eles tiverem realmente aceito a Cristo no passado. No ensino tradicional calvinista, se uma pessoa cai em apostasia ou não mostra mais sinais de arrependimento genuíno, pode ser prova de que ele nunca foi realmente salvo, e, em seguida, que não fazia parte do número dos eleitos.

Importante reportar o que o teólogo presbiteriano André do Carmo Silvério expôs no site monergismo.com:

É muito comum se ouvir falar sobre “Os Cinco Pontos do Calvinismo”. Eu mesmo, quando me tornei aluno da classe de catecúmenos, com a finalidade de ser membro da Igreja Presbiteriana do Brasil, lembro-me de ouvir por várias vezes falar sobre esse assunto. Contudo, meu raciocínio não era outro, senão, o de achar que o autor destes pontos era de fato o próprio reformador do século XVI: João Calvino. Mas somente no Seminário pude ter um contato mais próximo com obras literárias que falavam sobre o assunto, e, desta forma, creio ter sido esclarecido sobre o que realmente vem a ser “Os Cinco Pontos do Calvinismo”.

Portanto, o objetivo deste pequeno artigo é esclarecer de forma simples quem de fato escreveu os chamados “Cinco Pontos do Calvinismo”, por qual razão e porque eles são “cinco pontos” ao invés de sete ou dez. Além disso, procuraremos destacar a sua relevância para a nossa teologia.


1. Autoria

Ao contrário do que muitos pensam, não foi João Calvino quem escreveu “Os Cinco Pontos do Calvinismo”. Talvez algumas pessoas ficarão impressionadas com esta afirmação. No entanto, a magna pergunta que se faz é: Se não foi Calvino, quem foi então? “Estes cinco pontos foram formulados pelo Sínodo de Dort, Sínodo este convocado pelos estados Gerais (da Holanda) e composto por um grupo de 84 Teólogos e 18 representantes seculares, entre esses estavam 27 delegados da Alemanha, Suíça, Inglaterra e outros países da Europa reunidos em 154 Sessões, desde 13 de novembro de 16 18 até maio de 1619” . [1] Portanto, peca por ignorância quem afirma ser João Calvino o autor destes cinco pontos, porque na verdade, a afirmação correta é que estes “pontos” foram fundamentados tão somente nas doutrinas ensinadas por ele. Aliás, este sistema doutrinário, se assim podemos chamá-lo, foi elaborado somente 54 anos após a morte do grande reformador (1509-1564).

2. Razão de sua Escrita

Os Cinco Pontos do Calvinismo foram formulados em resposta a um “documento que ficou conhecido na história como ‘Remonstrance' ou o mesmo que ‘Protesto'”, [2]apresentado ao Estado da Holanda pelos “discípulos do professor de um seminário holandês chamado Jacob Hermann, cujo sobrenome latino era Arminius (1560-1600). Mesmo estando inserido na tradição reformada, Arminius tinha sérias dúvidas quanto à graça soberana de Deus, visto que era simpático aos ensinos de Pelágio e Erasmo, no que se refere à livre vontade do homem”. [3] Este documento formulado pelos discípulos de Arminius tinha como objetivo mudar os símbolos oficiais de doutrinas das Igrejas da Holanda (Confissão Belga e Catecismo de Heidelberg ), substituindo pelos ensinos do seu mestre. Desta forma, a única razão pela qual Os Cinco Pontos do Calvinismo foram elaborados era a de responder ao documento apresentado pelos discípulos de Arminius.


3. Porque Cinco Pontos?

Este documento formulado pelos alunos de Jacob Arminius tinha como teor cinco principais pontos, conhecidos como “Os Cinco Pontos do Arminianismo. E como já dissemos logo acima, em resposta a este Cinco Pontos do Arminianismo, o Sínodo de Dort elaborou também o que conhecemos como “Os Cinco Pontos do Calvinismo” ao invés de sete ou dez. Estes pontos do calvinismo são conhecidos mundialmente pela palavra TULIP, um acróstico popular que na língua inglesa significa:

T otal DepravityTotal Depravação
U nconditional ElectionEleição Incondicional
L imited AtonementExpiação Limitada
I rresistible GraceGraça Irresistível
P erseverance of SaintsPerseverança dos Santos

4. Os Cinco Pontos do Arminianismo Versus Os Cinco Pontos do Calvinismo [4]

Arminianismo

Calvinismo

1. Vontade Livre – O arminianismo diz que a vontade do homem é “livre” para escolher, ou a Palavra de Deus, ou a palavra de Satanás. A salvação, portanto, depende da obra de sua fé.

1. Depravação Total – O calvinismo diz que o homem não regenerado é absolutamente escravo de Satanás, e, por isso, é totalmente incapaz de exercer sua própria vontade livremente (para salvar-se), dependendo, portanto, da obra de Deus, que deve vivificar o homem, antes que este possa crer em Cristo.

2. Eleição Condicional – O arminianismo diz que a “eleição é condicional, ou seja, acredita-se que Deus elegeu àqueles a quem “pré-conheceu”, sabendo que aceitariam a salvação, de modo que o pré-conhecimento [de Deus] estava baseado na condição estabelecida pelo homem.

2. Eleição Incondicional – O calvinismo sustenta que o pré-conhecimento de Deus está baseado no propósito ou no plano de Deus, de modo que a eleição não está baseada em alguma condição imaginária inventada pelo homem, mas resulta da livre vontade do Criador à parte de qualquer obra de fé do homem espiritualmente morto.

3. Expiação Universal – O arminianismo diz que Cristo morreu para salvar não um em particular,porém somente àqueles que exercem sua vontade livre e aceitam o oferecimento de vida eterna. Daí, a morte de Cristo foi um fracasso parcial, uma vez que os que têm volição negativa, isto é, os que não querem aceitar, irão para o inferno.

3. Expiação Limitada – O calvinismo diz que Cristo morreu para salvarpessoas determinadas, que lhe foram dadas pelo Pai desde toda a eternidade. Sua morte, portanto, foi cem por cento bem sucedida, porque todos aqueles pelos quais ele não morreu receberão a “justiça” de Deus, quando forem lançados no inferno.

4. A Graça pode ser Impedida – O arminianismo afirma que, ainda que o Espírito Santo procure levar todos os homens a Cristo (uma vez que Deus ama a toda a humanidade e deseja salvar a todos os homens), ainda assim, como a vontade de Deus está amarrada à vontade do homem, o Espírito [de Deus] pode ser resistido pelo homem, se o homem assim o quiser. Desde que só o homem pode determinar se quer ou não ser salvo, é evidente que Deus, pelo menos, “permite” ao homem obstruir sua santa vontade. Assim, Deus se mostra impotente em face da vontade do homem, de modo que a criatura podeser como Deus, exatamente como Satanás prometeu a Eva, no jardim [do Éden].

4. Graça Irresistível – O calvinismo entende que a graça de Deus não pode ser obstruída, visto que sua graça é irresistível. Os calvinistas não querem significar com isso que Deus esmaga a vontade obstinada do homem como um gigantesco rolo compressor! A graça irresistível não está baseada na onipotência de Deus, ainda que poderia ser assim, se Deus o quisesse, mas está baseada mais no dom da vida, conhecido comoregeneração. Desde que todos os espíritos mortos (= alienados de Deus) são levados a Satanás, o deus dos mortos, e todos os espíritos vivos (= regenerados) são guiados irresistivelmente para Deus (o Deus dos vivos), nosso Senhor, simplesmente, dá a seus escolhidos o Espírito de Vida. No momento que Deus age nos eleitos, a polaridade espiritual deles é mudada: Antes estavam mortos em delitos e pecados, e orientados para Satanás; agora são vivificados em Cristo, e orientados para Deus.

5. O Homem pode Cair da Graça – O arminianismo conclui, muito logicamente, que o homem, sendo salvo por um ato de sua própria vontade livremente exercida, aceitando a Cristo por sua própria decisão, pode também perder-se depois de ter sido salvo, se resolver mudar de atitude para com Cristo, rejeitando-o! (Alguns arminianos acrescentariam que o homem pode perder, subseqüentemente, sua salvação, cometendo algum pecado, uma vez que a teologia arminiana é uma “teologia de obras” – pelo menos no sentido e na extensão em que o homem precisa exercer sua própria vontade para ser salvo). Esta possibilidade de perder-se, depois de ter sido salvo, é chamada de “queda (ou perda) da graça”, pelos seguidores de Arminius. Ainda, se depois de ter sido salva, a pessoa pode perder-se, ela pode tornar-se livremente a Cristo outra vez e, arrependendo-se de seus pecados, “pode ser salva de novo”. Tudo depende de sua continua volição positiva até à morte!

5. Perseverança dos Santos – O calvinismo sustenta muito simplesmente que a salvação, desde que é obra realizada inteiramente pelo Senhor – e que o homem nada tem a fazer antes, absolutamente, “para ser salvo” -, é óbvio que o “permanecer salvo” é, também, obra de Deus, à parte de qualquer bem ou mal que o eleito possa praticar. Os eleitos ‘perseverarão' pela simples razão de que Deus prometeu completar, em nós, a obra que ele começou. Por isso, os cinco pontos de TULIP incluem a Perseverança dos Santos .

5. Considerações Finais

Para inteirar o leitor do todo da história, Spencer nos diz que após o Sínodo de Dort se reunir em 154 Sessões num “completo exame das doutrinas de Arminius e comparar cuidadosamente seus ensinos com os ensinos das Escrituras Sagradas, chegaram à conclusão que os ensinos de Arminius eram heréticos”. [5] “E não somente isto, mas o Concílio impôs censura eclesiástica aos ‘remonstrantes' depondo-os dos seus cargos, e a autoridade civil (governo) os baniu do país por cerca de seis anos”. [6]

Diante disso, creio que a diferença crucial entre o Arminianismo e o Calvinismo se resume na palavra Soberania. Enquanto os calvinistas entendem que Deus opera a salvação na vida do ser-humano conforme a sua livre e soberana vontade, os arminianos salientam que o homem é capaz de por si só querer ou não ser salvo. Se partirmos da premissa que o homem está completamente morto diante de Deus como nos ensina Efésios 2:1, entenderemos porque a salvação depende tão somente da graça e da misericórdia do SENHOR, pois “não depende de quem quer ou quem corre, mas de usar Deus a sua misericórdia” (Rm 9:16). Portanto, creio que os objetivos deste artigo foram de fato alcançados, demonstrando assim a verdadeira história dos “Cinco Pontos do Calvinismo”. Que assim, queira o Senhor nosso Deus nos abençoar e nos dar sempre a graça de sermos verdadeiros propagadores da história reformada.


Os três "PARÁS"



É difícil identificar, quando observamos o atual mapa do Estado do Pará, as províncias que buscam sua autonomia administrativa. De um lado, composta pelas riquezas minerais e um povo totalmente alheio às raízes culturais tipicamente paraoaras, está o Carajás. Por certo, sua colonização se deu de maneira totalmente alheia às tradições mais íntimas do Pará legítimo, acrisolando em seu seio, uma gama de forasteiros, que apenas se locupletaram das riquezas de nosso território. Por outro lado há o Tapajós, que reclama ter sido, ao longo de toda a história do Pará imperial ou republicano, vilipendiado, sofrendo o abandono.

A bem da verdade, não é a primeira vez que amputam do Pará a condição de um Estado de proporções continentais. Tal foi com o esfacelamento da Província do Grão - Pará, posteriormente, com a autonomia do Estado do Maranhão. Depois, mais recentemente, com a autonomia do Amapá, que deixou de pertencer ao Pará com a constituição daquela região primeiro em território federal para posteriormente, com a Carta Magna, tornar-se Estado.

Qual o resultado disto tudo para Pará e para os paraenses? Considero, sim, claro, os pontos negativos, pois é muito complicado administrar um território extenso, a exemplo do Amazonas e de suas cidades perdidas na floresta. Contudo, a dinâmica da economia provocou esta centralização em pólos, sendo neutralizada ou até mesmo prejudicada pela nociva centralização administrativa em Belém, ocasionando o inchaço da cidade, e seus consequentes problemas urbanos, que dispensam comentários.

A emancipação do Carajás e do Tapajós irá, com absoluta certeza, amputar a tradição e a história expansionista do Pará. Haverão outras alternativas para a solução dos conflitos agrários, bem como uma maior mobilidade na administração pública, possibilitando, com isso, melhores condições para a iniciativa privada. De igual maneira, permitirá o atendimento mais legítimo e próprio das realidades distintas destes povos, bem como a construção de novas sociedades, inspiradas, quem sabe, na expectativa da ética e da moralidade, em favor do bem comum.

O Pará, com sua vocação exportadora, por certo há de lucrar muito mais com o desmembramento destas áreas, proporcionando, ainda, aos Municípios Paraenses que estiverem na circunscrição original, melhor distribuição da renda, infra-estrutura e coordenação administrativa.

Assim, somos pelo SIM ao Carajás e SIM ao Tapajós.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

BELÉM 395

Orla de Belém do Pará


Parabéns Santa Maria de Belém!

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

176 ANOS DE CABANAGEM

Aquarela de um soldado cabano


"SOLDADOS REBELDES INVADIRAM BELÉM" - Milhares de pessoas, entre homens e mulheres maltrapilhos e em armas, além de homens da Guarda Nacional que deserdaram na última hora, tomaram de assalto a capital da Província do Pará, às 3:15h do dia 07 de Janeiro de 1835, invadindo o Arsenal de Guerra e o Palácio, onde ceifaram o Coronel Joaquim José da Silva Santiago, comandante das armas e Bernardo Lobo de Souza, o Malhado, Presidente da Província do Pará. Às 11h deste mesmo dia, foi empossado como Presidente Provincial, aclamado pela extensa população que ocupava as cercanias do Palácio, o cidadão Félix Antônio Clemente Malcher."


Obviamente, quem lesse esta manchete nos jornais de época, ficaria extremamente atemorizado com as consequências do que fora outrora considerado motim de rebeldes, em espírito de banditismo. Caso a noticia fosse dada mais adiante, talvez se tratasse de alguma disputa sangrenta de poder. Por fim, poderiam talvez considerar o clímax de uma grandiosa Revolução. A Cabanagem, em todos os seus aspectos, recebeu ao longo da história, tais insígnias, nunca tendo sido analisada, até então, sob a ótica científica, como critério para um julgamento justo e imparcial na formação da trajetória histórica de um povo.

A Província do Pará, em 1835, ano em que eclodiu a Cabanagem, estava vivendo crises seríssimas em todos os aspectos, sobretudo no que diz respeito à governabilidade. Não que o povo e as instituições resolvessem deliberadamente opor-se à tudo quanto viesse da autoridade central, mas esta, ao seu modo, distorcia a noção de poder, e abusava do despotismo, infâmias e desmandos, gerando em muitos paraenses a revolta e a necessidade de uma repreensão à altura da ofensa.

Neste âmbito, vários nomes surgiram e, ao lado de suas personalidades, desenharam uma roupagem própria para aquilo que pode ser considerado como um levante popular. Dentre eles, destaco o cônego Batista Campos, que foi o mentor e propulsor da idéia de liberdade, igualdade e justiça, além de estimular o pensamento de nativismo e patriotismo para paraenses e acima de tudo, brasileiros. Em sua visão, a Cabanagem poderia ser um ato de libertação e renovação, onde o povo seria respeitado e atendido em suas mais legitimas reivindicações. Infelizmente, o cônego não viveu para presenciar seu sonho se materializar. Morreu em 31 de Dezembro de 1834, seis dias antes do estopim. De igual modo, considero a figura de Malcher o lado oposto ao defendido por Batista Campos, ainda que a sorte lhe tenha sido mais afável. Este, que emergiu de uma masmorra para ser Presidente Provincial, era rico e socialmente distante da grande massa que materializou o sonho do cônego e os anseios de grande parte da população. O resultado não foi diferente: em menos de 120 dias, Malcher era assassinado pelos seus próprios antigos aliados.

Se voltassemos no tempo e tivessemos a oportunidade de viver este episódio, quem sabe aplaudiríamos Domingos Onça, o tapuio que deflagrou o disparo que ceifou Malhado. Ou então, buscaríamos influenciar à ambos os lados, tanto governo quanto rebeldes, à buscarem a via do diálogo. Neste ponto certamente fracassaríamos, pois era necessário que história do Pará fosse marcada, de forma singular, com a única revolução genuinamente popular de toda a humanidade. Ou ainda, buscar uma alternativa legal e institucionalizada para a realização das mudanças tão esperadas, sem que para isso vidas fossem ceifadas. Ainda assim não lograríamos êxito, pois o impacto de mortes, tiros, pólvora, balas e fumaça foi primordial para a lapidação da consciência do povo, à época.

Hoje, em Janeiro de 2011, mais de um século depois, a Cabanagem virou sinônimo de crime. Não pela revolução, ou motim, como queiram, em si. Mas pela associação à um bairro da moderna, porém antiquada Belém. Todavia, a heróica manifestação popular nos deixou de herança um dos mais preciosos tesouros: a liberdade. Evidentemente que os cabanos não poderiam exprimir, com profundidade sapiencial, os significados etimológicos de Liberdade, porém, entenderiam perfeirtamente do que se tratava, ao saberem que passariam a viver com dignidade, honra e respeito aos seus direitos individuais. Isto, para eles, era o que valia.

Quando presencio a desídia de nossas autoridades em desprezar fatos históricos como este, e principalmente este, tenho a leve impressão que Malhado não morreu, mas ainda assombra aos que se assentam nos Palácios e que urge que novos "Batistas Campos", "Angelins", "Vinagres" e "Nogueiras" renasçam em uma geração pautada na ética, na moralidade, transparência e igualdade.

Viva a Cabanagem e que novas cabanagens aconteçam!