segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

176 ANOS DE CABANAGEM

Aquarela de um soldado cabano


"SOLDADOS REBELDES INVADIRAM BELÉM" - Milhares de pessoas, entre homens e mulheres maltrapilhos e em armas, além de homens da Guarda Nacional que deserdaram na última hora, tomaram de assalto a capital da Província do Pará, às 3:15h do dia 07 de Janeiro de 1835, invadindo o Arsenal de Guerra e o Palácio, onde ceifaram o Coronel Joaquim José da Silva Santiago, comandante das armas e Bernardo Lobo de Souza, o Malhado, Presidente da Província do Pará. Às 11h deste mesmo dia, foi empossado como Presidente Provincial, aclamado pela extensa população que ocupava as cercanias do Palácio, o cidadão Félix Antônio Clemente Malcher."


Obviamente, quem lesse esta manchete nos jornais de época, ficaria extremamente atemorizado com as consequências do que fora outrora considerado motim de rebeldes, em espírito de banditismo. Caso a noticia fosse dada mais adiante, talvez se tratasse de alguma disputa sangrenta de poder. Por fim, poderiam talvez considerar o clímax de uma grandiosa Revolução. A Cabanagem, em todos os seus aspectos, recebeu ao longo da história, tais insígnias, nunca tendo sido analisada, até então, sob a ótica científica, como critério para um julgamento justo e imparcial na formação da trajetória histórica de um povo.

A Província do Pará, em 1835, ano em que eclodiu a Cabanagem, estava vivendo crises seríssimas em todos os aspectos, sobretudo no que diz respeito à governabilidade. Não que o povo e as instituições resolvessem deliberadamente opor-se à tudo quanto viesse da autoridade central, mas esta, ao seu modo, distorcia a noção de poder, e abusava do despotismo, infâmias e desmandos, gerando em muitos paraenses a revolta e a necessidade de uma repreensão à altura da ofensa.

Neste âmbito, vários nomes surgiram e, ao lado de suas personalidades, desenharam uma roupagem própria para aquilo que pode ser considerado como um levante popular. Dentre eles, destaco o cônego Batista Campos, que foi o mentor e propulsor da idéia de liberdade, igualdade e justiça, além de estimular o pensamento de nativismo e patriotismo para paraenses e acima de tudo, brasileiros. Em sua visão, a Cabanagem poderia ser um ato de libertação e renovação, onde o povo seria respeitado e atendido em suas mais legitimas reivindicações. Infelizmente, o cônego não viveu para presenciar seu sonho se materializar. Morreu em 31 de Dezembro de 1834, seis dias antes do estopim. De igual modo, considero a figura de Malcher o lado oposto ao defendido por Batista Campos, ainda que a sorte lhe tenha sido mais afável. Este, que emergiu de uma masmorra para ser Presidente Provincial, era rico e socialmente distante da grande massa que materializou o sonho do cônego e os anseios de grande parte da população. O resultado não foi diferente: em menos de 120 dias, Malcher era assassinado pelos seus próprios antigos aliados.

Se voltassemos no tempo e tivessemos a oportunidade de viver este episódio, quem sabe aplaudiríamos Domingos Onça, o tapuio que deflagrou o disparo que ceifou Malhado. Ou então, buscaríamos influenciar à ambos os lados, tanto governo quanto rebeldes, à buscarem a via do diálogo. Neste ponto certamente fracassaríamos, pois era necessário que história do Pará fosse marcada, de forma singular, com a única revolução genuinamente popular de toda a humanidade. Ou ainda, buscar uma alternativa legal e institucionalizada para a realização das mudanças tão esperadas, sem que para isso vidas fossem ceifadas. Ainda assim não lograríamos êxito, pois o impacto de mortes, tiros, pólvora, balas e fumaça foi primordial para a lapidação da consciência do povo, à época.

Hoje, em Janeiro de 2011, mais de um século depois, a Cabanagem virou sinônimo de crime. Não pela revolução, ou motim, como queiram, em si. Mas pela associação à um bairro da moderna, porém antiquada Belém. Todavia, a heróica manifestação popular nos deixou de herança um dos mais preciosos tesouros: a liberdade. Evidentemente que os cabanos não poderiam exprimir, com profundidade sapiencial, os significados etimológicos de Liberdade, porém, entenderiam perfeirtamente do que se tratava, ao saberem que passariam a viver com dignidade, honra e respeito aos seus direitos individuais. Isto, para eles, era o que valia.

Quando presencio a desídia de nossas autoridades em desprezar fatos históricos como este, e principalmente este, tenho a leve impressão que Malhado não morreu, mas ainda assombra aos que se assentam nos Palácios e que urge que novos "Batistas Campos", "Angelins", "Vinagres" e "Nogueiras" renasçam em uma geração pautada na ética, na moralidade, transparência e igualdade.

Viva a Cabanagem e que novas cabanagens aconteçam!